Um estudo recém-concluído em Angra dos Reis poderá pôr fim aos tristes episódios que a região vivencia com as chuvas de verão. Realizado pelo Instituto Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta-Planície – REAGEO, sediado na Coppe/UFRJ, e conduzido por pesquisadores nas áreas de geociências, ciências geográficas e engenharia geotécnica, o trabalho em escala de detalhe (1:5.000) é inédito no Brasil não apenas como contribuição local, mas também por sua construção metodológica, considerada um avanço em relação ao que vem sendo feito até hoje no Brasil para evitar as consequências de desastres naturais. A metodologia foi originalmente proposta pelos pesquisadores do Laboratório de Geo-Hidroecologia GEOHECO-IGEO/UFRJ envolvidos no REAGEO desde sua instalação.
O estudo foi encomendado ao REAGEO pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), por meio do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), após os deslizamentos de terra que mataram mais de 50 pessoas na região de Angra dos Reis, no final de 2010. Após um ano de intenso trabalho de campo, que mobilizou cerca de 12 pesquisadores do REAGEO, foi possível construir, para uma parte importante do município – incluindo as bacias que drenam a zona central da cidade, no continente, e as bacias que drenam para as praias do Abraão do Bananal e Provetá, na ilha Grande – um mapa de suscetibilidade, que avalia a condição potencial do terreno frente aos deslizamentos associados a diferentes tipos de mecanismos numa escala de muito detalhe.
“Nas instâncias municipal, estadual e federal, o que ainda se faz no país são mapas de risco iminente, que consideram apenas a declividade do terreno e o histórico de deslizamentos da área. É uma contribuição relevante, mas que tem aplicação apenas para intervenções como as da Defesa Civil. A metodologia do GEOHECO-IGEO-UFRJ, que foi devidamente ajustada para escala de detalhe neste trabalho do REAGEO, vai muito além e envolve, além dos dados geológicos, geotécnicos, geomorfológicos e geoecológicos, as pessoas que lá vivem”, explica o professor Maurício Ehrlich, integrante do REAGEO.
Combinando os fatores que levam ao rompimento de um terreno, tais como forma e posição de encostas; declividades críticas; tipo e espessura dos solos; condições de drenagem do solo; dentre outros – com as informações populacionais e de moradia, a metodologia identifica as áreas onde são necessárias intervenções para minimização da suscetibilidade (suscetibilidade média), as áreas onde será preciso remover as moradias (suscetibilidade alta e muito alta) e as áreas para futura expansão urbana (suscetibilidade baixa). Analisando o risco de modo integrado e hierarquizando as intervenções necessárias na região, o mapa de suscetibilidade se tornou uma ferramenta para o planejamento urbano de Angra dos Reis.
“Outra característica da metodologia é que ela permite identificar áreas que ainda não foram muito agredidas na região como potenciais áreas de risco. É uma metodologia que se antecipa ao problema”, diz o professor Willy Lacerda, coordenador do REAGEO, ressaltando que não há, no Brasil, nenhum outro estudo realizado com essa qualidade.
Segundo os pesquisadores do REAGEO, a nova metodologia pode ser replicada em outros lugares, o que certamente melhoraria as condições de vida de muitas populações que vivem em áreas de risco. Entretanto, a falta de informações básicas é um entrave para a replicação da metodologia. Como não existe no Brasil uma política de informações para estudos com esse nível de detalhamento, trabalhos como o realizado pelo REAGEO acabam se tornando muito caros.
“Hoje existem tecnologias ópticas de detecção remota que fornecem informações básicas de reconhecimento de terreno, como superfície mineral, cobertura de copas, edificações, etc. Infelizmente ainda não dispomos no Brasil dessas tecnologias, que economizariam muito tempo nas pesquisas, e ficamos dependentes de um longo tempo para aquisição de imagens de satélite tridimensionais, para obtenção de modelos digitais de elevação e construção de bases topográficas, vistas como essenciais neste tipo de análise. Existe carência de informação básica, mapas em escala apropriada. É uma área em que o governo deveria investir com urgência”, diz a geógrafa Ana Luiza Coelho Netto, integrante do REAGEO.
O estudo passo a passo
A partir de imagens de satélite tridimensionais foram gerados modelos digitais de elevação e construída uma base topográfica. Em seguida foi mapeada a rede de canais e localizados os pontos que já haviam sido submetidos a escorregamentos. Também foram inseridos mapeamentos de detalhe feitos com a informação geológica estrutural, geomorfológica, geotécnica e geoecológica envolvendo a cobertura vegetal e de elementos do uso relevantes no comportamento dos materiais na encosta, como drenos, casas com vazamentos, casas com saída de efluentes nas encostas, explica Ana Luiza.
A partir dessa informação de base foi iniciada a aplicação da metodologia, que já possuía um esboço em outras escalas, fazendo ajustes de acordo com a disponibilidade e qualidade da informação. Em seguida as informações foram integradas para que fosse possível localizar no mapa as áreas que tinham graus diferenciados de suscetibilidade, ou seja, condições potenciais de escorregamento associados aos mecanismos dominantes na área de estudo. Por fim, com a área de engenharia, foram definidas que medidas deveriam ser tomadas.
O estudo realizado pelo REAGEO sugeriu a remoção de cerca de 25% da população da área estudada para regiões mais seguras de Angra dos Reis. São cerca de oito mil pessoas que vivem nas áreas consideradas de muito alta e alta suscetibilidade, onde, por mais investimentos que se façam, a população continuará em risco. O estudo concluiu que nessas áreas cerca de três mil casas que precisam ser removidas. Já nas áreas de média suscetibilidade, apontaram-se intervenções globais que devem ser feitas envolvendo principalmente drenagem, superficial e profunda.